Meu coração, saibam todos, é Rainha.
… E assim, Ulisses, tendo naufragado por força da tempestade, estando perdido, sozinho e despido de suas vestes, recebe da deusa Leucoteia, transformada em gaivota, um véu: ”Protege o teu coração, e chegarás à terra firme.”, diz ela a Ulisses, que emerge, com o coração imaculado, na ilha de Feácios, no caminho de volta para casa…
É possível perceber, nesse breve relato contido na Odisseia de Homero, o alcance excepcional da linguagem simbólica para a revelação das constantes humanas, ou seja, das formações de sentido primordiais comuns a toda a humanidade. Por isso, acessar o símbolo ajuda a desvelar a face, tão universal e tão particular, de nossas dores, medos, afetos, desejos… Acessar o símbolo convida ao ritual de encontro, revivido em cada existência, com o mais íntimo, essencial e profundo processo identitário de todo ser humano, em toda época e lugar.
Nesse passo, chegamos à familiaridade entre o mito atemporal do herói-símbolo e a vivência particular compartilhada por todos nós—nessa fatia da terra, nesse momento da história—envolvidos pela acolhedora morada de nossos corações: o Colégio Rainha. Em meio a essa tempestade torrencial de vírus e vilezas, consternados e enlutados por perdas tamanhas, temos a imensa graça de merecer receber, todos os dias, o Véu protetor do pássaro encantado, assim que adentramos o jardim-coração que prepara a bonita caminhada em subida… Uma misteriosa metamorfose opera-se então em nós. Náufragos que éramos, pisamos aqui o mesmo chão firme que acolheu e acolhe os passos irmãos, amigos, sobrinhos, tios, filhos, avós dos nossos. Despidos que fomos, vestimos aqui as texturas, as cores, os sons, os sonhos, os gestos, os saberes, as sensações, os valores, os textos todos que levaremos nas dobras do tempo, no tecido de nossas vidas. Perdidos que estamos, achamos aqui a candeia que repousa ( as Irmãs seguindo a Palavra ) sobre (nunca sob) o candelabro, de modo a que possamos—assim como quem quer que entre nesta casa—encontrar a luz que buscamos.
Do mesmo modo, ao fim da tarde, antes de enfrentar mais uma tempestade, paramos ali, no átrio centenário e majestoso. Deslumbrante por do sol vem nos aquecer os corações nesses instantes: são as coordenadas da vida, átrio e tarde, pequenos nichos de lugar e tempo reais em eterno retorno, tantas vezes apresentados aos nossos olhos sempre comovidos, marejados e embevecidos pela poesia desse momento—Drummond nos entende—que inunda nossa vida inteira.
Por: Janice Soares Prof. De Redação e Literatura